PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



ProcessoAPELAÇÃO CÍVEL n. 0506655-74.2017.8.05.0274
Órgão JulgadorPrimeira Câmara Cível
APELANTE: BEATRIZ LIMA SOUSA
Advogado(s)KATIANE SANTOS DE OLIVEIRA BRAZ
APELADO: YMPACTUS COMERCIAL S/A e outros (3)
Advogado(s):ORESTE NESTOR DE SOUZA LASPRO


ACORDÃO

 

APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA EM AÇÃO CÍVEL PÚBLICA. DEVOLUÇÃO DE VALORES. TELEXFREE. DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA REQUERIDA POR OUTRO JUÍZO. SENTENÇA DE EXTINÇÃO POR CARÊNCIA DE AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PRÉVIA LIQUIDAÇÃO PARA APURAÇÃO DO CRÉDITO EXEQUENDO. TEMA 482 DO STJ. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.


Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Apelação Cível n.º 0506655-74.2017.8.05.0274, em que figura como apelante BEATRIZ LIMA SOUSA e, apelado, YMPACTUS COMERCIAL S/A - TELEXFREE.


ACORDAM os Desembargadores componentes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, à unanimidade e pelos fundamentos constantes, em CONHECER e DAR PROVIMENTO ao Apelo, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à origem, nos termos da Relatora.

 

Sala de Sessões, data registrada em sistema. 


MARIELZA MAUÉS PINHEIRO LIMA

Relatora


 

 

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

 PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

 

DECISÃO PROCLAMADA

Conhecido e provido Por Unanimidade

Salvador, 24 de Setembro de 2024.

 


PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 

Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0506655-74.2017.8.05.0274
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
APELANTE: BEATRIZ LIMA SOUSA
Advogado(s): KATIANE SANTOS DE OLIVEIRA BRAZ
APELADO: YMPACTUS COMERCIAL S/A e outros (3)
Advogado(s): ORESTE NESTOR DE SOUZA LASPRO


RELATÓRIO


Trata-se de RECURSO DE APELAÇÃO interposto por BEATRIZ LIMA SOUSA contra a sentença prolatada pelo MM Juízo da 2ª Vara de Feitos de Rel de Cons. Cível e Comerciais da Comarca de Vitória da Conquista, que, nos autos da AÇÃO ORDINÁRIA DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA nº 0506655-74.2017.8.05.0274, ajuizada em face da YMPACTUS COMERCIAL S/A, declarou o feito extinto por carência de interesse processual, nos seguintes termos principais (ID. 57533108):


(...) A parte autora busca, individualmente, o cumprimento de sentença coletiva em face da YMPACTUS COMERCIAL S/A, conhecida como TELEXFREE.

Ocorre que, como é notório, fora decretada a falência da Ré, pela 1ª Vara Cível da Comarca de Vitória, Estado do Espírito Santo, na data de 09 de setembro de 2019, com prazo de 15 dias para habilitação de credores.

Pelo rito da falência, as execuções devem ser habilitadas nessa fase, ou mediante impugnação ao edital de credores (art. 8º, Lei 11.101/2005). Ultrapassado o prazo, "será necessário requerer ao juízo universal de falência, em ação própria que obedeça ao procedimento comum do Novo CPC, a retificação do quadro, para a inclusão do crédito retardatário (art. 10, §6º)." (RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 7o ed. São Paulo: Método, 2017. p. 762).

Então, uma vez decretada a falência, e verificando que a parte autora, segundo alega, já possui o título executivo, compete a esta buscar a habilitação perante o Juízo Universal, não sendo mais possível exercê-lo em sede de cumprimento de sentença ou execução judicial (...).

Quanto à expedição de certidão judicial sobre a existência de dívida, reputo que o credor deve buscar tal intento perante o Juízo no qual se constituiu o título executivo judicial.

Por essas razões, DECLARO EXTINTO o feito por carência de interesse processual, nos moldes do art. 485, VI, e art. 493, ambos do CPC.

Justiça gratuita (...).


Irresignada, em suas razões recursais (ID. 57533111), a parte sustenta que, no dia 23/08/2017, ingressou com a presente ação objetivando a liquidação dos seus créditos, em decorrência de direito reconhecido em ação civil pública movida em face da recorrida, visto que a referida decisão possibilitou a liquidação no domicílio de cada credor.


Argumenta foi surpreendida com a referida sentença extintiva, visto que a sentença de mérito deveria de fato determinar quais seriam os valores devidos para a Recorrente, para que esta pudesse habilitar-se no juízo de falência; suspender o curso do processo pela existência de processo de falência da Ré; ou  remeter os autos para aquele juízo para a habilitação dos créditos da Autora. 


Alega que "a própria legislação de falências não traz como consequência da sua decretação a extinção processual e sim a suspensão das suas atividades".


Requer que o recurso seja conhecido e provido, "para reconhecer os erros alegados na sentença de 1.º Grau, para logo em seguida, encontrando-se o feito maduro para julgamento, seja proferida decisão reconhecendo e quantificando os créditos da Recorrente e em seguida, seja o feito remetido ao Juízo de falência para a devida habilitação dos valores a serem pagos pela Recorrida". Ou, não sendo este o entendimento, sustenta que "deve ser reconhecida a ilegalidade existente na sentença, reformando-a em sua integralidade, remetendo o feito para o juízo de origem para que seja proferida a sentença de mérito em conformidade com a lei".


Em suas contrarrazões, ID. 57533116, a parte apelada alega que "o Apelante sustentou que era divulgador da Apelada, sem, no entanto, acostar aos autos a totalidade dos documentos que comprovem a relação entre as partes, não se desincumbindo de seu ônus probatório".


Defende que, tendo em vista a decretação da falência, permanecem em curso apenas as ações e execuções ajuizadas em face da massa falida que demandarem quantia ilíquida. Aduz que as ações onde se demandam créditos líquidos, deverão ser sobrestadas ou extintas, a depender de sua natureza; e, considerando que, na eventualidade de ser este o caso dos autos, a ação deverá ser imediatamente suspensa ou extinta.


Pugna pelo não provimento do recurso, com a manutenção da sentença de origem, nos termos de suas razões.


Em sua manifestação de ID. 62950858, a parte apelante reitera o pleito de provimento recursal e defende que as alegações da apelada não merecem prosperar, visto que apresentou documentos suficientes que comprovam a relação jurídica entre as partes e que, tratando-se de ação de liquidação de sentença, não caberia suspensão ou extinção em razão da falência.


Elaborado o voto, devolvo os autos à Secretaria da Câmara nos termos do art. 931 do CPC, com a ressalva da possibilidade de sustentação oral, nos termos do art. 187 do Regimento Interno.



Salvador/BA, data registrada em sistema. 


MARIELZA MAUÉS PINHEIRO LIMA

Relatora



PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL  DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA

  Primeira Câmara Cível 



Processo: APELAÇÃO CÍVEL n. 0506655-74.2017.8.05.0274
Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível
APELANTE: BEATRIZ LIMA SOUSA
Advogado(s): KATIANE SANTOS DE OLIVEIRA BRAZ
APELADO: YMPACTUS COMERCIAL S/A e outros (3)
Advogado(s): ORESTE NESTOR DE SOUZA LASPRO


VOTO


Inicialmente, renovo os benefícios da Justiça Gratuita.


Satisfeitos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.


Cuida-se de recurso de apelação interposto por Beatriz Lima Souza, contra sentença de ID. 57533108, que declarou o feito extinto sem resolução de mérito por carência de interesse processual, pautando-se nos art. 485, VI, e art. 493, do CPC – os quais dispõem que:


Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando:

(...)

VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual;


Art. 493. Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.


Da análise dos autos, verifica-se que, em 23 de agosto de 2017, a Apelante ingressou com ação de liquidação de sentença coletiva contra a Ympactus Comercial LTDA (Telexfree), referente à sentença genérica proferida nos autos da ação civil pública n.º 0800224-44.2013.8.01.0001, que tramitou perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Acre. Ocorre que, após tomar conhecimento da decretação de falência da Apelada, o juízo de origem entendeu por declarar o feito extinto por carência de interesse processual.


Para melhor análise, seguem trechos da sentença recorrida (ID. 57533108):


(...) A parte autora busca, individualmente, o cumprimento de sentença coletiva em face da YMPACTUS COMERCIAL S/A, conhecida como TELEXFREE.

Ocorre que, como é notório, fora decretada a falência da Ré, pela 1ª Vara Cível da Comarca de Vitória, Estado do Espírito Santo, na data de 09 de setembro de 2019, com prazo de 15 dias para habilitação de credores (...).

Então, uma vez decretada a falência, e verificando que a parte autora, segundo alega, já possui o título executivo, compete a esta buscar a habilitação perante o Juízo Universal, não sendo mais possível exercê-lo em sede de cumprimento de sentença ou execução judicial (...).

Ora, o interesse processual é expresso pelo trinômio necessidade-utilidade-adequação, que significa a necessidade da intervenção jurisdicional, a utilidade prática da pretensão e a adequação do rito. No caso vertente, com a superveniência da falência, a causa carece de adequação e de utilidade prática (...).

Quanto à expedição de certidão judicial sobre a existência de dívida, reputo que o credor deve buscar tal intento perante o Juízo no qual se constituiu o título executivo judicial (...). (G.n.)


O cerne do recurso diz respeito à suposta carência de interesse processual da Apelante e extinção do feito, pelo fato da superveniente falência da empresa Requerida, ora Apelada, bem como necessidade de prévia liquidação do julgado e a possibilidade deste ser interposto no juízo de origem.


Conforme evidenciado no relatório, a Apelante alega que a referida extinção foi equivocada, visto que a decretação de falência da parte Apelada não teria por consequência a extinção do feito por carência de ação. Acrescenta que para proceder com a habilitação no juízo de falência, é necessária a prévia liquidação de seu crédito, conforme pleiteado na origem.


De fato, impende notar que a sentença recorrida merece reparos pelas razões expostas a seguir.


Na sentença coletiva objeto da liquidação pleiteada pela Recorrente (ID.  57532050), foi declarada a nulidade de todos os contratos firmados entre os divulgadores da rede Telexfree e a Ympactus (Apelada), “formalizados através da adesão ao Regulamento Geral de Clientes e Divulgadores de Produtos e outros instrumentos contratuais que os antecederam”, nos termos do item A do dispositivo da sentença (pgs. 115/116). E, nos termos do item B do decisum (pgs. 116/117), consignou o “restabelecimento das partes contratantes ao estado em que se achavam antes da contratação”, o que envolve a devolução de valores, bonificações e kits. 


Ainda, a própria decisão objeto de liquidação indica, no item B.8 (pg. 117):


B.8) considerando que a presente ação é coletiva, os valores determinados nos itens B1, B2, B3, B4, B5, B6 e B7 deverão ser apurados em liquidação de sentença, que poderá ser proposta por cada interessado, no foro do seu domicílio.


Destaque-se que, nos termos da tese firmada pelo STJ, no Tema 482:


A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de 'quantia certa ou já fixada em liquidação' (art. 475-J do CPC), porquanto, 'em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica', apenas 'fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados' (art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não sendo aplicável a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC. (G.n.)


Assim, em que pese o entendimento da instância ordinária, com a superveniente decretação de falência da Apelada, não ocorreu a perda do interesse processual da Autora/Apelada. Tal interesse é manifesto, tendo em vista a necessidade e a utilidade do provimento judicial para realizar a prévia liquidação do crédito, ato indispensável para posterior habilitação junto ao Juízo Universal da Falência da Apelada.


Acerca do tema, o inciso II, do art. 9º, da Lei nº 11.101/2005, consigna que a habilitação do credor deverá ser acompanhada do valor do crédito, ou seja, o crédito já deve estar devidamente liquidado para a realização de sua habilitação.


Tal entendimento encontra respaldo na jurisprudência pátria, vejamos:


RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – PROCEDIMENTO DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA COLETIVA PROFERIDA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (CASO TELEXFREE) – DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DA REQUERIDA POR OUTRO JUÍZO ANTES DA CITAÇÃO – SENTENÇA TERMINATIVA COM ORDEM DE SUJEIÇÃO DO CRÉDITO DO AUTOR AO JUÍZO UNIVERSAL – ALEGADA NULIDADE DA DECISÃO ANTE A NECESSIDADE DE PRÉVIA LIQUIDAÇÃO PARA APURAÇÃO DO QUANTUM EXEQUENDO – ACOLHIMENTO – TEMA 482 DO STJ – CRÉDITO A SER LIQUIDADO NO JUÍZO ORIGINÁRIO ANTES DA SUA HABILITAÇÃO NO FEITO CONCORRENCIAL - ART. 6º, § 1º, DA LEI N. 11.101/05 ( LRF)– NECESSÁRIA INTIMAÇÃO DO ADMINISTRADOR DA MASSA FALIDA PARA PARTICIPAR DA FASE LIQUIDATÓRIA – SENTENÇA DECLARADA NULA – DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM – RECURSO PROVIDO. Consoante a tese paradigma que deu origem ao Tema 482 do STJ, julgado em recursos repetitivos, a sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de “quantia certa ou já fixada em liquidação” (art. 475-J do CPC/15), porquanto, “em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica”, apenas “fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” (art. 95 do CDC), sendo, pois, indispensável, antes do cumprimento individual da sentença coletiva, ou da habilitação do crédito no juízo universal que decretou a falência da devedora, proceder-se a prévia liquidação para a apuração do an debeatur e do quantum debeatur. Afinal, segundo o § 1º do art. 6º da Lei n. 11.0101/2005, o procedimento de liquidação de sentença coletiva deve continuar tramitando no juízo onde foi proposta ou distribuída normalmente, segundo as regras gerais de competência, até que apurado definitivamente o quantum exequendo a ser habilitado no juízo universal que decretou a falência da devedora. No entanto, se a citação se deu após a decretação da falência da requerida, indispensável intimação do administrador da massa falida para representá-la na fase de liquidação definitiva do crédito individual, de modo evitar futura suscitação de nulidade, à luz do que dispõe o parágrafo único do art. 76 da Lei n. 11.101/2005.

(TJ-MT 10012459320188110041 MT, Relator: MARILSEN ANDRADE ADDARIO, Data de Julgamento: 09/03/2022, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/03/2022)


AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. TELEXFREE. SUSPENSÃO DO PROCESSO. DESCABIMENTO. QUANTIA ILÍQUIDA. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO UNIVERSAL DO JUÍZO FALIMENTAR. APLICAÇÃO DA REGRA GERAL DE COMPETÊNCIA. I - Segundo inteligência do art. 6º, § 1º, da Lei nº 11.0101/2005, as ações que demandam quantia ainda ilíquida consubstanciam exceções ao princípio universal do juízo falimentar, e devem continuar tramitando no juízo onde foram propostas ou distribuídas normalmente, segundo as regras gerais de competência. II - Considerando que a situação fática da parte executada, por ora, não importará a alteração da competência para a análise e julgamento do procedimento de liquidação judicial que tramita na origem, deve ser reformada a decisão que, por este motivo, determinou a suspensão do feito. 

(TJMG - Agravo de Instrumento- Cv 1.0112.17.013078-8/001, Relator (a): Des.(a) Vicente de Oliveira Silva, 10a CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/10/2018, publicação da sumula em 26/ 10/ 2018).


Assim, deve a sentença ser anulada 



Ante o exposto, não sendo possível proceder ao julgamento do feito no estado em que se encontra sem incorrer em prejuízo a uma das partes, torna-se impositiva a anulação da sentença recorrida, com o retorno dos autos à instância ordinária para que seja dado regular seguimento ao processo.


Assim, voto no sentido de CONHECER E DAR PROVIMENTO ao recurso interposto, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem para a retomada de seu devido curso, nos termos acima lançados.


Sala de Sessões, data registrada em sistema. 


MARIELZA MAUÉS PINHEIRO LIMA

Relatora